segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Dez romances que me assombraram em 2013

British artist and illustrator Jonathan Wolstenholme



Dez romances que me assombraram em 2013


1) Peste Palimpsesto – Hugo Olivetti – O narrador, renomado historiador da Universidade de Praga, descobre num mosteiro sérvio documentos antigos em linguagem desconhecida. Após ser vítima de diversas tentativas de furto praticadas por outros grupos interessados nos palimpsestos, deixa-os em mãos da jovem assistente Uli Staav, falsa finlandesa, na verdade um traveco a serviço de sete grandes corporações. A equipe de estudiosos montada para decifrar os documentos cria o primeiro cybersoviete da história. O mundo passa por uma transformação assustadora. Para saber mais, leia o livro. Hugo Olivetti é o mais talentoso romancista esloveno.

2) Rosácea – Janaína Hockmann – Shari Natanga é um sábio budista respeitado em sua aldeia tailandesa. Entre preces, meditações, kickbox e tiros à queima-roupa em pobres camponeses que não contribuem para sua rentável vida de agiota, sonha viver em Las Vegas. Ao fugir de uma revolta maoista, conhece Shing Tainaga em Bangcok. Eles se apaixonam após ela confundi-lo com Nicolas Cage, ator responsável por Shing ter largado a plantação de arroz e ópio. Paixão desfeita no aeroporto de Paris, depois que Shari Natanga começou a ler "À la recherche du temps perdu”, fato que abalaria a sua vida para sempre. Rosácea foi acusado de copiar o enredo de Os mamutes estão morrendo, de Sergei Kazóvski.

3) Expedição Madaglena – João Luís Petraglia. O principal rio da Colômbia é o pano de fundo para um verdadeiro painel da história colombiana, da colonização espanhola ao século XXI. Dividido em dez partes, num ritmo caótico, elíptico, numa sintaxe por vezes inapreensível, a narrativa toma de assalto o leitor. Notável o modo como o autor consegue produzir uma obra experimental sem transformá-la na rigidez cerebral de alguns constructos literários hodiernos. A violência sem estilização alia-se a uma desencantada visão da condição humana. O autor encontra-se preso por seguidores do ex-narcotraficante Álvaro Uribe.

4) Tudo que é insólito mancha o ar – Marcos Bezerra Branco. Violentamente condenado pela crítica jamaicana, o romance parece ter sido escrito para negar a ideia de romance. Retira trechos do livro de Marshall Berman e de toda a literatura marxista, mistura com textos anarquistas e cria uma história em que todos os personagens entram na porrada, são presos e mortos pela ordem dominante mundial. Em alguns momentos mais desprezíveis parece até literatura. O autor encontra-se preso por tentar comprar originais de romancistas estreantes. Se for libertado, cuidado, o grupo Ecoanarchy jurou-o de morte..

5) Devastação – Lou Menezes Castro – Escrita do corpo, vigorosa, perturbadora. Alguns psicólogos divulgaram manifesto solicitando a retirada da obra do mercado. Talvez por isso entrou na lista dos mais vendidos, o que é notável, dada à complexidade narrativa de estrutura espiralada, toda concentrada na caminhada esquizofrênica de Lucas, o jovem protagonista, madrugada afora pelas ruas do Rio de Janeiro. Cenas da irrealidade do cotidiano noturno. Pesado, lisérgico, pop e cult, quase irrespirável, tanto que o narrador abandona o livro antes do final das 144 páginas.

6) Como eram complicados aqueles tempos em que você andava de galochas – Tatiana Lewendosky – Tatiana Lewendosky é o segredo mais bem guardado da literatura brasiliense. Depois do premiadíssimo ‘Chicote de sombras”, do extraordinário “Deboche”, lança agora essa bem-humorada história de uma mulher que não consegue o amor de nenhuma outra, mas nem por isso desaba. Hilárias as situações em que se vê obrigada a fugir da gula de homens tarados e pervertidos, chefes escrotos, babões apaixonados, galãs de feira-livre, taxistas de mão boba. A autora, valendo-se de extensa rede de referências a grandes escritoras contemporâneas, faz uma crítica demolidora à terra de ninguém dos relacionamentos contemporâneos.

7) Cerca de bambu – Hao Sipiang –  Os pais da autora passaram por poucas e boas em um dos campos de reeducação da China à época de Mao. A filha transfigurou tudo o que a sua impotência presenciou em rancor e ódio extraordinariamente férteis. Como ficção é puro engodo, transformou os pais, que antes açoitavam os empregados e roubavam no peso e no salário, em santos. Os delírios narrativos de Hao Sipiang, no entanto, são impagáveis, apesar de uma fundação norte-americana ter providenciado a sua ida para os States, além de bancar a publicação e divulgação de seus romances, traduzidos em 117 línguas. “A cerca de bambu” é uma bela metáfora, traduz com extremo requinte o espírito dos habitantes de Alphaville, pobres e camponeses não entram sequer em narrativas a não ser como bandidos. Uma obra-prima.

6) El gusano – Pablo Ruiz Contreras –  Um homem acorda cedo para ir jogar xadrez em uma praça de Havana. Pensa em preparar o matinal café com rum. Pensa em abrir uma delicatessen graças às novas medidas econômicas. Pensa em escrever o milésimo poema em homenagem a Che Guevara. Ao tentar se erguer, cai sobre um disco de Paco de Lucia. Sempre revolucionário, tenta motivar-se. Sonha com New York, precisa ver como Moloch funciona, a pútrida face do capital. Precisa de Rubia, precisa que volte. E toda a narrativa é a narrativa do que falta, do que não vem, o inenarrável. Pablo Ruiz Contreras lutou em Angola contra as tropas da África do Sul. Atualmente encontra-se internado em estado terminal.

9) Embromation – Phellippe Deschamps – Pelo título dá para perceber que é obra de algum filósofo francês. Deschamps é conhecido por demolir obras, reputações, teorias, religiões, ideologias. Dizem os inúmeros desafetos que demoliu a própria mãe, a mulher e os filhos, tudo por dez segundos no Canal Plus. A genialidade do autor, no entanto, o mantém em evidência há duas décadas. Nesta primeira incursão ao romance, que Deschamps afirma ter elaborado valendo de um programa de computador denominado Mot.zéro, cabe ao leitor tentar  reconfigurar a linguagem. O autor afirmou em entrevista ao Le Monde que este livro remove de vez o legado proustiano.


10) Bordel Capitu – Bento Machado – Ultra-além-depois-pós-doutor em teoria literária, Bento Machado é reconhecido internacionalmente o maior especialista em Machado de Assis. Agora, depois de tantos trabalhos renomados, lembrem-se de Assimetrias parentéticas entre zeugmas ciceronianas e axiomas axilares em personagens femininas de Machado de Assis. A narrativa apresenta velhinhos acadêmicos depois do chá das cinco transplantados para um dos mais famosos bordéis do Catete. Entre infartos, recitações de versos anacrônicos, impressões de leitura, furtos de cartões de crédito, frequentadores rejeitados pela Academia, banqueiros de bicho etc., avulta a figura de Capitu, cento vinte quilos de sabedoria e pragmatismo: metáfora do povo brasileiro, como afirmou o autor na última FLIP. O estilo lembra muito a escrita impressionista de Adelino de Magalhães, um romancista que ninguém mais lê. Embora também seja verdade que ninguém mais lê porra nenhuma.


Nenhum comentário:

Postar um comentário