terça-feira, 17 de dezembro de 2013

a.4




a.4


capas de discos de vinil ainda no chão sacados à noite lançados como discos-voadores negros pela janela arremessos portentosos repletos de álcool era lindo de se ver a heroica de Beethoven voar Karajan abaixo Mussorgski pictures at an exhibition supersônico no ar noturno espatifar-se Chopin prelúdios para piano na madrugada morta Parsifal wagneriano a lança na ferida de Amfortas quebrada em queda livre naquele momento era impossível saber que o santo graal subiria escadas coberto parcialmente por rodas de bicicleta provavelmente roubada o corpo todo era o cálice profanado o cálice que beberia os lábios devoraria o viço da carne em tensão máxima o desejo quase tocando o forro de madeira do teto sobre vinil intacto de Nora Ney um poema guardava momento anterior à loucura que trouxera a polícia à porta no meio da noite versos truncados incompletos incapazes de poesia ensaiavam última estrofe: “acordam na ópera acordes inaudíveis / neles a massa sonora se desmancha / para que a voz ressoe solo e vírus / na ária, lacerada a carne gangrenada / a garganta os pulmões os ossos / no chão sem sinal de harmonia” rasura premonitória da impossibilidade de coro


Nenhum comentário:

Postar um comentário