sábado, 25 de fevereiro de 2012

A vingança dos persas





A VINGANÇA DOS PERSAS



       O que esperamos na ágora reunidos? 
                           - Konstantinos Kaváfis



Vão-se os navios gregos
abarrotados de moedas cunhadas
nas saias de Medeias mortas.

Tebas, Atenas, Corinto,
estiradas em mesas de cassinos,
fecharam as sete portas de bronze.
Agora shoppings agonizam
Agamenons e Ariadnes.

Padece a paideia no labirinto
de novos persas.

Ifigênia e Ajax em transe,
Homero arremessa o escudo de Aquiles
contra os bancos de extermínio,
de sangue,
de crime.

Nem Diotima de Mantineia sonharia
revelar a Sócrates profecias de tamanha barbárie.

Helicópteros patrulham Micenas,
e Midas já mandou as suas milícias
de cães e répteis contra Hércules.

Efebos deserdam fábulas,
lanças caídas em filas de desemprego,
elmos abandonados,
cavalos cravados de facas e cifrões.

Édipo, Orestes e Jocasta
veem Jasão navegar para o abismo.

Já não há Atlântida
e as muralhas da honra e da ousadia
desmoronaram em dívidas.

Oh, Zeus, insufla a revolta nos lares,
ateia fogo aos tesouros,
destrona a cabeça dos soberanos
cínicos e carniceiros.

Que heróis anônimos tomem as ruas de assalto
e que das assembleias surja o sonho de cidades livres.

Série "Não hai nem kai"


























Não hai nem kai 



I

 
A letra h cai;
onda muda do verão
apaga o som da água.




II

Bem-te-vi pousado
no telhado azul da tarde
alta, pura hipnose.




III

Calor e formigas.
Colar no círculo escuro
cantos de água clara.




IV


As folhas em breve
asas saídas de árvores
abrirão o outono.



V


Em ocaso fúcsia
o dia se despe do azul.
Lanternas noturnas.



VI


Mil máscaras mortas,
som e fantasias sepultas,
sonhos, sombras, cinzas.



VII

Rasura nas nuvens
o sol. Um sorriso imenso
lava-se na chuva.





VIII

Peixe morto espia
copos, pratos, mudo espanto.
Mesa da miséria.



IX

 

À beira de um rio
a  água avisa às rugas:
som de sal e foz.

 

X


Como sem as asas
riscar no papel azul
o salto no caos?

 

XI


Gatos algemados.
Salas ou jaulas urbanas.
Convívio de extremos.



XII


A cobra sob juncos
e a malícia sem remorso
revolvem-se em vão.



XIII


Gérbera, glicínia.
Nome e  perfume de Deus
moram em qual flor?



XIV


Árvores cortadas,
ferrugem em galhos verdes.
Cavar o deserto.

 

XV


Vento nas paredes,
no rebanho, nas colinas.
Bombas sobre aldeias.

 

XVI


Tecnozumbis pousam
mouse e maletas vazias
como suas cabeças.



XVII


Mais-valia, valises,
cuecas, aviões, Suíças:
país ou deserto?

 

XVIII


A noite, ao abrir-se,
é rascunho de pecados,
móvel  cicatriz.



XIX


Ondas, ondas, ondas.
O surf lava a alma na prancha.
O mundo, um balé.

 

XX


Sou mar e carvão.
A lua chora no meu ombro,
as ondas também.



XXI


A última palavra
poderá ser a primeira
letra do deserto.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Neve

Inventei-me um outro e fiz um poema para postar no Facebook. Fazia muito calor e ingressei em um tempo distante para apreender ou desaprender os caminhos do exílio, em todas as suas formas. 
O falso poeta, o falso tradutor e o texto integram algo indivisível. Não há razão alguma para explicar o que está cifrado no texto. Quem puder que descubra.




















Um poema de Stanislaw Warneńczyk (1889-1944)




A caminho de Cracóvia
caí.
Flocos de nuvens saíam
de minhas botas curvas.
O casaco escutava o vento
soprar uma canção de cinzas
entre memória e remendos .
O céu estava esplêndido,
azul com trovões humanos.
Tanta beleza
desabava
paredes de sinagogas e igrejas.
Levantei-me
e segui para o sul.


Traduzido do polonês por Zantonsky


domingo, 5 de fevereiro de 2012

Uma questão metodológica



 
 
 
 
 
 
 
 
 
Começa a aula.
Ela abre o livro
e cruza as pernas
nas páginas da lição
dezenove.
Depois me olha
como quem devora
um mundo.
Maldição!
O professor me convoca.
Como caminhar
com a esperança tão torta?