segunda-feira, 12 de setembro de 2011

AFNA

Bloqueado, Hélio Oiticica

     José Antônio Cavalcanti


No primeiro dia em que estive na cidade de Afna, tudo foi monótono e enfadonho porque: a) não sabia o afnês; b) a cidade parecia estar complemente abandonada.

No segundo dia em que estive na cidade de Afna, tudo foi monótono e enfadonho porque: a) ainda não sabia falar o afnês; b) a cidade continuava um inquietante ponto de interrogação.

No terceiro dia em que estive na cidade de Afna, tudo foi monótono e enfadonho. a) ainda não sabia falar afnês (embora tivesse aprendido que muito obrigado, na língua local, era tri paktu); b) a cidade permanecia um inquietante ponto de interrogação; c) além de tudo, eu era o único hóspede do único hotel, propriedade do único habitante.

No quarto dia em que estive na cidade de Afna, aconteceram tantas coisas que fui compensado, com sobras, da monotonia dos três primeiros dias. Para começar, o dono do hotel, a quem até então julgara o único habitante, revelou-me ser a cidade povoada por cerca de dois milhões de pessoas, todas, no entanto, mostravam-se receosas com os visitantes, pois há milênios Afna não recebia viajantes. Contudo, como ele narrou-me em afnês e como não entendo patavina desse idioma, não pude entender nada, razão pela qual fui altamente confuso e contraditório ao dizer que o quarto dia não foi monótono e enfadonho. Seguramente foi o mais monótono e enfadonho, uma vez que passei as vinte e quatro horas do dia escutando o dono do hotel narrar-me a história da cidade, ou a perguntar-me donde vinha, ou a contar-me piadas, ou a falar mal do governo, ou a oferecer-me garotas de programa e cocaína...

No quinto dia em que estive na cidade de Afna, o sol foi a única novidade, porém não bastou para tirar a chatice de ruas e praças vazias.

No sexto dia, escutei um som muito harmonioso, uma música que ora parecia vir de fora, ora parecia sair do meu próprio cérebro. Um fato que despertou a minha curiosidade foi ter encontrado todas as tabuletas trocadas, alterados os nomes das ruas e das casas comerciais. Alguns edifícios também foram colocados fora de lugar da noite para o dia.

No sétimo dia, amanheci mais disposto: o sete, além de ser um número místico, também é o meu número de sorte. Estava tão esplêndida a manhã que rejeitei o café, aliás, um líquido vermelho de gosto horrível, servido com cogumelos. O sétimo dia foi só para constar: veio e foi embora a galope.

No oitavo dia em que estive em Afna, decidi que ele não poderia ser tão enjoado quanto os outros sete. Mesmo que não aparecesse ninguém, eu iria botar pra quebrar. Causaria um alvoroço tão grande, perturbaria tanto, que, fatalmente, alguém seria obrigado a tomar uma atitude mais drástica comigo. Naquele momento ficaria grato se alguns deles me agredissem. Ao sair do hotel, quebrei vidraças e continuei destruindo tudo à minha frente até sentir um gás forte e insuportável e, creio, desmaiei.

Acordei apenas no nono dia, completamente esgotado, nauseado. Escutei o barulho dos carros na rua, os gritos de crianças indo ou vindo das escolas, as pragas e os risos de gente trabalhando, apitos de guardas de trânsito e ruídos de toda espécie de máquina. Todavia, estava derreado, sem forças sequer para levantar-me até a janela, embora alegre por prever, no dia seguinte, o primeiro encontro com os meus semelhantes.

Veio o décimo dia e acordei bem aliviado, fiz a barba e desci para o saguão do hotel, olhando para todos os lados, na tentativa de vislumbrar uma pessoa qualquer. Triste recepção, apenas o dono do hotel falava ao telefone sem parar. As ruas estavam tão desertas quanto nos dias anteriores. As lojas, fechadas. Ninguém. Ninguém. Ninguém. O dono do hotel disse-me que tinham saído em férias e foram para o campo e para os balneários, mas ele não poderia ter falado isso. Eu não poderia entendê-lo. Isso não passa de história de viajante.

No décimo-primeiro dia, fiz as minhas malas e tomei a direção do aeroporto, depois de dar mil e uma voltas pela cidade, graças à balbúrdia de placas e sinais de trânsito. Embarquei no avião e jurei a mim mesmo nunca mais pôr os meus pés na cidade de Afna. Antes de o avião levantar voo, pude ver o movimento do aeroporto, o entrar e sair de pessoas, os mecânicos, os carregadores, os passageiros das outras aeronaves, os automóveis nas ruas e avenidas adjacentes.

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