terça-feira, 5 de abril de 2011

ANJOS

Melancolia I, Dürer
             

          






















       José Antônio Cavalcanti



                   “O último anjo derramou seu cálice no ar.” – Murilo Mendes


Não o da melancolia de Dürer,
olhos exilados de signos,
exausto de garimpar as sílabas
de um nome nunca revelado.

Não os prosaicos e suspensos
anjos de Chagall
descascando pecados
sob o chão da cozinha.

Muito menos o de Benjamin,
de costas para o futuro
num voo pesado e obscuro.

Sequer aquele caído nas sombras
de Drummond
em torta escrita de tropeços.

Nem a criatura terrível de Rilke
de asas lavadas em ira e arrogância,
escriba e vigia de nossa sangria.

Um anjo também me assombra
só para sangrar-me.
Anjo apóstata e herege,
corrói com suas asas de inseto
caminhos e projetos.
Examina com tédio e desânimo
os índices de pânico e de esperança
depois de devastar as reservas.
Intrigante e pérfido,
sussurra-me conselhos obscenos,
pragas,
impropérios.

Mostra-me o seio esquerdo
e me olha envenenado,
mensageiro sem mensagens,
desertor de Deus e do homem.

Em sua última passagem, mãos entrelaçadas
e seu corpo macio colado ao meu,
a dupla inscrição de pecados
nas placas e paredes da cidade.

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